Paul Jensen, biólogo de sistemas microbianos da Universidade de Michigan, em Ann Arbor, queria ver se as ferramentas de inteligência artificial (IA), como grandes modelos de linguagem, poderiam sintetizar pesquisas sobre diferentes microrganismos. Então ele localizou todos os artigos relevantes sobre uma espécie bacteriana que seu laboratório estuda – um organismo que causa cáries dentárias chamado Streptococcus sobrinus – mas descobriu que já tinha lido todos eles, algumas dezenas no total.
Muitos microbiologistas estarão numa posição semelhante – ou pior. Em um estudo publicado no servidor de pré-impressão bioRxiv na semana passada1Jensen descobriu que apenas 10 espécies bacterianas respondem por metade de todas as publicações, enquanto quase três quartos de todas as bactérias nomeadas não têm um único artigo dedicado a elas.
“Aprendemos muito sobre um pequeno número de espécies”, diz Jensen. Mas “para muitas bactérias não há nada que um modelo de linguagem, que uma IA possa ler”. Os micróbios importantes para a saúde humana – e da Terra – são especialmente pouco estudados, dizem os pesquisadores.
Micróbio modelo
Como outros cientistas da vida, os microbiologistas estudam organismos modelo, na esperança de que os insights obtidos de queridinhos de laboratório bem comportados, como Escherichia coli será relevante para outros organismos.
Em muitos casos são: os fundamentos da biologia molecular são construídos a partir de experiências em E. coli. Mas à medida que os cientistas expandem o catálogo de vida microbiana com cada esfregaço de pele, cocó ou amostra de solo que sequenciam, aumenta a oportunidade de descobrir informações novas e invulgares.
Para quantificar a tendência da microbiologia em relação a um pequeno número de organismos modelo, Jensen consultou uma base de dados de 43.409 espécies bacterianas únicas e contou o número de artigos indexados pelo PubMed – um repositório de literatura biomédica administrado pelo governo dos EUA – que menciona cada espécie no título ou no resumo.
Sem surpresa, E. coli saiu na frente com mais de 312 mil publicações, 21% do total. O restante do top 10 consistia principalmente de patógenos humanos, como Staphylococcus aureusuma infecção oportunista, Mycobacterium tuberculose e Helicobacter pylorium micróbio estomacal que pode causar úlceras e até câncer (ver ‘Bactérias mais estudadas’).
Mas 74% das espécies bacterianas não foram mencionadas no título ou no resumo de nenhum artigo indexado (“Microbios ignorados”). E a lacuna entre as bactérias conhecidas e as estudadas também aumentou nos últimos 25 anos, em parte devido aos estudos de microbiomas que sequenciam micróbios em massa.
Organismos pouco estudados
Nicola Segata, cientista de microbioma da Universidade de Trento, em Itália, está consternada com as conclusões do estudo – mas não surpreendida. Com uma ou duas exceções, os micróbios abundantes nos microbiomas humanos saudáveis não figuram na lista das 50 bactérias mais bem estudadas. E muitos organismos importantes para a saúde humana que Segata e outros encontraram nem sequer foram nomeados, muito menos estudados. “Essas espécies ainda têm um longo caminho até serem estudadas no nível que merecem”, acrescenta.
Os micróbios encontrados em diversos ecossistemas, como nos oceanos e no solo, também são visivelmente pouco estudados, observa Brett Baker, ecologista microbiano da Universidade do Texas, em Austin. “Nenhum dos organismos dominantes na natureza está nesta lista”, diz ele. “Isso é um problema.”